Há outros mundos
Há outros mundos que entram nos nossos sonhos. Outros mundos que nos parecem tão longínquos que afinal só estão a pouco tempo de distância. O meu sonho tinha uma cidade. O meu sonho tinha a cidade.
Há imagens que se colam à nossa mente com uma insistência tão grande, que passado algum tempo passamos a senti-las como verdadeiras, como reais, como se tivessem sempre feito parte de nós. Para mim era assim. Berlim é parte de mim.
Viver perto da cidade, tocar, sentir, cheirar, produzia felicidade em mim. Sentia-me bem, sentia-me completa. Apesar de saber que não era lá que pertencia, era mesmo lá que estava bem. Sei que o meu lugar é aqui. Aqui estou em casa. Mas lá era onde sem sentia bem enquanto estava longe de casa.
Tocar nos edifícios que apenas conhecia por fotografia, passear pelas ruas, ver a diversidade que me rodeava, de pessoas, de cheiros, de ambientes. Ver que os alemães são sisudos, mas atenciosos. Sentir preocupação quando vêem alguém que “arranha” a língua e se prestam a ajudá-la. Sentir o seu olhar de orgulho quando nos vêem fazer algo bem feito, nem que seja à décima quinta tentativa. Saber que eles estão ali, apenas a dois passos, para nos ajudar.
Ver como foi a cidade massacrada e destruída e ver os símbolos… Tudo e muito mais chama por mim, para aquele local. Tocar a Gedächtniskirche, fotografar os 800mt que restaram do muro, sentir-me cosmopolita na Postdamerplatz, ir lanchar, à portuguesa, ao Europa Center, ver o KaDeWe e tocar um casaco tão caro como um carro, mais caro que o meu carro actual, ver a Kurfürstendamm decorada para o Natal como se de uma feira se tratasse, aliás, a feira estava lá! Com tudo o que lhe era devido.
Andar na nova cúpula do Reichstag é algo de diferente, é ter sentimentos contraditórios, ou se ama ou se odeia, estar na cúpula de vidro e ver pedra por todo o lado, ler a inscrição “Dem Deutschen Volke” e pensar que foi durante a I Guerra Mundial que o Imperador Wilhelm II a mandou colocar, pensar que toda a Alemanha tremeu quando se soube que o seu Reichstag estava a arder em 1933. Depois continuou em ruínas, sem o seu uso pleno. Até que em 1999 é novamente inaugurado com uma cúpula toda em vidro de onde se pode ver as reuniões do Parlamento e a cidade de Berlim.
Fazer a Unter den Linden faz pensar que se está num mundo à parte. Num mundo que só se vê na televisão.
O novo e o antigo… as obras e as surpresas depois das obras… as pessoas… as lojas… as casas… a arquitectura… a descontracção… os sorrisos… as memórias.
De tudo o que me resta, resta-me um sonho final. Tocar, ver ao vivo as Portas de Bradenburgo, que, por motivos de limpeza e restauro, se encontravam tapadas.
O sonho persiste. A cidade, essa é a mesma.