quinta-feira, outubro 26, 2006

Há outros mundos

Há outros mundos vai se uma coluna que a minha turma vai ter no Jornal da minha cidade. Como acho que o título da coluna se adequa ao Sotaques e como ainda não criámos o Blog, deixo-vos aqui a minha primeira crónica.

Há outros mundos que entram nos nossos sonhos. Outros mundos que nos parecem tão longínquos que afinal só estão a pouco tempo de distância. O meu sonho tinha uma cidade. O meu sonho tinha a cidade.
Há imagens que se colam à nossa mente com uma insistência tão grande, que passado algum tempo passamos a senti-las como verdadeiras, como reais, como se tivessem sempre feito parte de nós. Para mim era assim. Berlim é parte de mim.
Viver perto da cidade, tocar, sentir, cheirar, produzia felicidade em mim. Sentia-me bem, sentia-me completa. Apesar de saber que não era lá que pertencia, era mesmo lá que estava bem. Sei que o meu lugar é aqui. Aqui estou em casa. Mas lá era onde sem sentia bem enquanto estava longe de casa.
Tocar nos edifícios que apenas conhecia por fotografia, passear pelas ruas, ver a diversidade que me rodeava, de pessoas, de cheiros, de ambientes. Ver que os alemães são sisudos, mas atenciosos. Sentir preocupação quando vêem alguém que “arranha” a língua e se prestam a ajudá-la. Sentir o seu olhar de orgulho quando nos vêem fazer algo bem feito, nem que seja à décima quinta tentativa. Saber que eles estão ali, apenas a dois passos, para nos ajudar.
Ver como foi a cidade massacrada e destruída e ver os símbolos… Tudo e muito mais chama por mim, para aquele local. Tocar a Gedächtniskirche, fotografar os 800mt que restaram do muro, sentir-me cosmopolita na Postdamerplatz, ir lanchar, à portuguesa, ao Europa Center, ver o KaDeWe e tocar um casaco tão caro como um carro, mais caro que o meu carro actual, ver a Kurfürstendamm decorada para o Natal como se de uma feira se tratasse, aliás, a feira estava lá! Com tudo o que lhe era devido.
Andar na nova cúpula do Reichstag é algo de diferente, é ter sentimentos contraditórios, ou se ama ou se odeia, estar na cúpula de vidro e ver pedra por todo o lado, ler a inscrição “Dem Deutschen Volke” e pensar que foi durante a I Guerra Mundial que o Imperador Wilhelm II a mandou colocar, pensar que toda a Alemanha tremeu quando se soube que o seu Reichstag estava a arder em 1933. Depois continuou em ruínas, sem o seu uso pleno. Até que em 1999 é novamente inaugurado com uma cúpula toda em vidro de onde se pode ver as reuniões do Parlamento e a cidade de Berlim.
Fazer a Unter den Linden faz pensar que se está num mundo à parte. Num mundo que só se vê na televisão.
O novo e o antigo… as obras e as surpresas depois das obras… as pessoas… as lojas… as casas… a arquitectura… a descontracção… os sorrisos… as memórias.
De tudo o que me resta, resta-me um sonho final. Tocar, ver ao vivo as Portas de Bradenburgo, que, por motivos de limpeza e restauro, se encontravam tapadas.

O sonho persiste. A cidade, essa é a mesma.

domingo, outubro 08, 2006

O Círio em cada um de nós

Esquina das Avenidas Presidente Vargas e Castilho França, no domingo do Círio

Belém fica linda na época do Círio... As cores, os sons, os movimentos dessa cidade na beira da baía do Guajará.
O que eu mais gosto de observar é como o Círio afeta a vida das pessoas. As famílias se encontrando, os paraenses que estão fora voltando para cá quando podem... Gosto de ver a cidade como fica nos dias anteriores à procissão, o movimento de pessoas chegando aos portos, rodoviária e aeroporto, trazendo saudades e alegrias a essa cidade.
Minha família é extremamente católica. Durante muitos anos, em todo Círio, meu pai, meu irmão e eu acompanhávamos o Círio das ruas paralelas, enquanto minha mãe ia na procissão. Lembro que, quando éramos crianças, meu pai sempre comprava para nós barquinhos de miriti para brincarmos na piscina de plástico que ele tinha montado no nosso quintal desde a manhã anterior.
Lembro da beleza da Procissão do Círio. Como isso mexe com as pessoas. Lembro que me fascinava, quando criança, os vendedores de brinquedos de miriti, de fitas coloridas, o papel picado caindo dos prédios, os fogos, as homenagens dos diversos órgãos da Avenida Presidente Vargas, dos leques de papelão com bonitas ilustrações e com a letra do “Vós sois o Lírio Mimoso” atrás. Eu e meu irmão fazíamos coleção deles.
Lembro da mesa farta e de um ano em que muitos parentes de meu pai vieram almoçar aqui em casa. E que dia alegre foi aquele! Lembro de outro Círio em que se encontraram os parentes de minha mãe, inclusive a matriarca da família, minha bisavó, que veio do interior de Abaetetuba. Nosso ultimo encontro foi nesse Círio, uma vez que ela morreu meses depois.
Penso nos paraenses que conheço que moram fora do Pará. Penso nos meus amigos que estão fazendo mestrado e doutorado no sul do Brasil ou na Europa. Penso na mãe da minha namorada em Manaus. Penso nas histórias que meus professores contam da época em que moravam até mesmo fora do país e nas saudades aterradoras de outubro. Penso em mim mesmo daqui a algum tempo que, penso eu, também vou morar fora do Pará.
Eu sei que onde houver um paraense há um rio de gente, passando das ruas de Belém para o coração dessa pessoa, lembrando a ela de todas as coisas que ela viveu durante o Círio. Um rio de gente trazendo as lembranças de um Pará que está longe e mais perto do que nunca. E isso independe de religião e crença. Um rio que atende a católicos, evangélicos, ateus, o que for. Um rio do Pará, rio de pessoas, a acalentar os paraenses que estão longe. E que sei que vai confortar a mim também.
E um feliz Círio para todos nós.